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Rica Pessetti

A ansiedade é a putrefação da alma

Atualizado: 17 de nov. de 2022


Se a alma fosse matéria orgânica, a ansiedade seria o micro-organismo responsável pela sua decomposição. A ansiedade é a putrefação da alma, o apodrecimento que a faz se despersonalizar. Despedaça-a, faz despencar a arquitetura da alma tal qual a pele despenca depois de muito sal e calor. Mas diferente da pele que quando aquietada se renova, a alma, transbordada na ânsia, ainda que quieta, não volta a ser o que é - se é que foi alguma coisa antes da ansiedade. Se não fizer com que a ansiedade morra de inanição, por falta do que a alimente, ela seguirá queimando continuamente faça sol, faça noite, faça doce, faça sal. Se houver alimento, o parasita cresce.


Repare o apóstolo: "Não andeis ansiosos por motivo algum", escreve Paulo de Tarso aos Filipenses (caítulo 4, versículo 6). Mas, antes que se siga, com Paulo, é preciso descascar a laranja, espremer o sumo da fruta e deixar que fique só o suco. Não se pode correr o risco de deixar o líquido escorrer para engolir, em seco, a casca e o bagaço. A simplicidade da sentença não traduz o seu motivo, menos ainda o que dela se desperta.


Quando escreve a carta aos companheiros da cidade de Filipos - localizada na antiga Macedônia, atual Grécia -, Paulo estava preso, em Roma. As cartas de Paulo, em geral, demonstram a intimidade na relação entre ele e seus companheiros de "igreja". As aspas se faz necessário, porque, em Paulo, igreja não é um grande, belo e imponente edifício, mas a construção não-material (espiritual) de um "edifício de pedras vida", ou seja, um grupo, um ajuntamento, uma comuna de irmãos, camaradas, companheiros, amigos recíprocos e íntimos.


A carta dedicada aos Filipenses tem uma delicada diferença entre todas as outras cartas escritas por Paulo. Ela não é tão somente uma carta de recomendações, instruções e encaminhamentos, mas é mais ou menos o que entedemos hoje como um direct ou um zap desprendido de interesse e troca que se manda a amigo(s) querido(s), com carinho. Ou seja, Paulo conhecia aquelas pessoas com profunda dedicação. Conhecia os tormentos, as brisas, o verniz do comportamento público e, especialmente, as entranhas inquietantes do pensamento, do sentimento e das emoções.


A ansiedade se repete. É quando o passado não passa, o futuro não chega nem se ausenta e o presente não cabe. Uma auto-obssesão, o ácido que corrói o estômago. É quando a soluções comezinhas do dia não bastam. Quando a criatividade foge do banho tomado sem atenção, no alimento engolido com pressa, sem gosto, nos muito maços de cigarros e garrafas de café fumados e bebidos sem motivo.


A ansiedade é burra. Ela mal interpreta a alma. É o pensamento repetitivo de se ter tomado as piores escolhas, caminhado os piores caminhos, deixado passar as melhores oportunidades sem que se possa, agora, mudar qualquer uma dessas decisões tomadas ou deixadas de se tomar. Ela faz com que se pense que, àquela época, tínhamos o mesmo discernimento, a mesma cabeça, a mesma experiência que se tem hoje, fruto desssas mesmas escolhas "erradas".


Nada de muito duradouro pode ser feito quando é o passado não vivido que existe e o futuro que nem bem se aconchegou e já se foi embora na pilhagem de maus pensamentos, no disritmado das taquicardias. E depois? Que teria feito, agora, quando também haver mudado de cabeça e não ser mais o que pensava? A ansiedade rouba o presente e entrega ao tempo que não existe. A vida que existe e faz existir só acontece na paz do presente. O resto não é mais vida e talvez nunca fará parte dela.

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