Dei de brigar com Deus, meu velho patrão. O filho, governador, também não escapou. Tranquei da porta, tirei toda roupa e, no banheiro, sentei no chão. Era dia de tristeza, dia que esmigalha peito, aperta tanto o pulso, que parece até que peito furou. Desses dias que o respiro encurta, que uma mão grossa e forte de carpinteiro esmaga, moe o respirador. Dos dias que do que se pensa é tanto que deixa o pensamento transbordar, em água, no olho. Que se é de tão sozinho que a dor parece te abraça, camada em camada, enrosca a esperança da melhora, faz a pequeneza trambolho.
Teve feita, tempo atrás, lembro, fui padre, lavrador, conjurado, escrivinhador, desgraçado e doutor. Fiz coisas de bons grados e outras maldades, essas, medonhas. Foi em terra de Minas os encontros gerais: fiz (des)graça em Três Pontas, Mariana, Ouro Preto, Congonhas. Deixei dívida e gente muita, muito triste. Acreditei em inferno, castigo, mas depois, apiedaram-se de mim e comprovei, inferno, mesmo, não existe. Roupa nova de carne ganhei, tempo novo, presente abençoado do irmão querido, aquele dos últimos dias de dezembro. Agora, vim cá acertar os dividendos, mas o motivo que fiz, que sofro, no chão do banheiro, não lembro.
Tudo que da pele se sente, tem certeza, começou ali, na emoção que o espírito não alcança. Na invigilância dos atos o tormento, o transtorno surpreso. Quando o corpo dói é que a saúde da mente já se quebrou. E se descobrissem o que penso, é certo que já estaria preso. Confia. Confiança na espera da melhora. Porque quando se vê puxaram a corda e o sino já dobrou.
Era tudo isso que era espelho no pensamento. Aí, veio a voz da cabeça, aquela que todo vivente tem, mas essa minha não é minha, não tem meu sotaque, é outra, não é a mesma de quando leio coisa, nem de quando falo na boca, é voz essa só quando, assim, escrevo. Digo, em destaque, é meu desejo. Essa voz que você lê, é essa voz que escuto pela cabeça, não passa no timpano, é voz de cabeça, é essa voz que, na cabeça, vejo. Disse: você, que que quer? Que falta de decisão essa? Qual controle anseia, você, que se afunda em culpa e falta de fé? Naquilo que briguei, amoroso. De hoje em frente não mais quero o duvidoso, saber o que não posso, não me conta. Vivo, amo, faço o mais proveitoso que me deixam, isso mesmo aquilo que faz os que, de verdade, amam.
Aquilo, melhorou. Não era moda de não ter responsabilidade, é que quem tem pai de ensinar, carece também fazer anotação no ficheiro. Não se precisa pedir ajuda de cedo pra, quem sabe, mudar de rua. Por mim, já era percebido, que quem não mais enxerga é essa alma nua, sentada no chão do banheiro. Quem, de verdade, ama, não tem tempo, não tem palavra, nem pensamento que doa. Era tudo que já falei. Quando na boca a palavra doce se ausenta, faz quem nem aquele conselho: ama, trabalha, espera e perdoa.
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